O ITCD NÃO INCIDE SOBRE O VGBL

O ITCD NÃO INCIDE SOBRE VGBL

Janir Adir Moreira e Alessandra Camargos Moreira

Advogados Tributaristas

          O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD tem sua matriz constitucional no art. 155, I, da Carta Magna de 1988 e no Estado de Minas Gerais a disciplina legal para a sua cobrança encontra-se disposta na Lei 14.941/2003, regulamentada pelo Decreto nº 43.981/2005.

          Neste artigo trataremos, de forma resumida, acerca da não incidência do ITCMD sobre os resgates de valores oriundos de planos na modalidade “Vida Gerador de Benefício Livre – VGBL” em contrariedade ao que determina a legislação do Estado de Minas Gerais e de vários Estados do Brasil.

         O Estado de Minas Gerais vem exigindo o recolhimento do referido imposto nos resgates dos valores decorrentes dos resgates dos planos do tipo VGBL efetuados pelos beneficiários indicados nos respectivos contratos com as instituições bancárias administradoras mediante a interpretação de que no caso ocorre a transmissão “causa mortis” prevista no inciso I do art. 1º da Lei 14.941/2003. Alguns outros Estados da Federação seguem a mesma orientação na arrecadação desse Imposto, enquanto que a legislação de outros Estados afastam expressamente a referida incidência tributária, como ocorre no Estado de São Paulo. Em Minas Gerais foi editado o Decreto 47.599 de 28/12/2018, que em seu art. 5º deu nova redação ao art. 35-A ao RITCD, nos seguintes termos:

"Art. 5º. O art. 35-A do RITCD passa a vigorar com a seguinte redação: 

Art. 35-A - As entidades de previdência complementar, abertas e fechadas, as seguradoras e as instituições financeiras são responsávei pela retenção e pelo recolhimento do ITCD devido a este Estado, na hipótese de transmissão causa mortis ou doação de bem ou direito sob sua administração ou custódia, inclusive aquele relativo aos planos de previdência privada e seguro de pessoas nas modalidades de Plano Gerador de benefício Livre - PGBL - Vida Gerador de Benefício Livre - VGBL - ou assemelhado."

          Não se pode perder de vistas que o elemento de risco está presente no VGBL, tanto que em caso de morte do segurado, há benefício para as pessoas por ele indicadas, como num seguro de vida.  A União Federal, que por sua vez é titular da competência privativa para legislar sobre seguros, investimentos e seguridade social ( CF, art. 22, VII, XIX e XXIII), define-o como contrato de seguro, qualificação que não cabe ao Fisco desconsiderar no intuito de tributar por analogia (CTN, Art. 108, § 1º e 110). O VGBL tem a natureza jurídica de plano de seguro e tem por objetivo tanto o resguardo e segurança do participante em vida quanto o resguardo, a segurança e a manutenção dos beneficiários indicados e embora não seja um contrato de seguro de vida do tipo básico, tradicional, não deixe de ter essa natureza, que por sua vez lhe é atribuída pelo ente político competente para regular o tema.

          A interpretação dada pelo Estado de Minas Gerais para sustentar a incidência do ITCD nas hipóteses de transferência dos planos de previdência privada e seguro de vida para os beneficiários nomeados pelo “de cujus” distorce a natureza jurídica dos planos PGBL e VGBL, uma vez que tais planos, respectivamente enquadram-se como forma complementar ao regime de previdência social e seguro de vida.

          Para a conclusão acerca da intributabilidade do VGBL pelo ITCD, ressaltamos os fundamentos a seguir:

1. Da natureza jurídica dos planos VGBL:

          Visando garantir uma proteção econômica e de padrão de vida aos segurados optantes por este sistema no momento em escolherem para a sua aposentadoria, em 1977 foi instituída a Previdência Privada.  Pela análise de suas características percebe-se que a mesma complementa o regime geral de previdência social (RGPS), dado que este apresenta uma equação insuficiente em relação ao imenso número de segurados.

          Assim, o RGPS tem o objetivo básico de proteger o cidadão, em caráter universal, de determinadas situações futuras (certas ou incertas), considerados como “risco social”, tais como doenças, invalidez, velhice e morte.

          A característica básica dos planos de previdência privada é a captação de recursos dos segurados durante determinado tempo, com vistas à manutenção da  rentabilidade,  à garantia da segurança e à valorização do capital aportado.   É evidente que analisando a natureza do regime de previdência privada percebe-se com meridiana clareza que o mesmo tem caráter assecuratório do padrão econômico dos segurados e seus dependentes (beneficiários indicados), divergindo assim de uma simples aplicação em fundo de investimento.

          Desta forma, os planos de previdência privada assumem a natureza jurídica de um seguro de vida em sua essência, até porque protege inclusive os dependentes em caso de morte e invalidez dos segurados.

           O VGBL – Vida Gerador de Benefícios Livre é um plano de seguro de pessoas com cobertura por sobrevivência, cuja principal característica é a ausência de rentabilidade mínima garantida durante a fase de acumulação dos recursos ou período de diferimento, sendo a rentabilidade da provisão idêntica à rentabilidade do fundo onde os recursos estão aplicados.

          VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) e PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres) são planos por sobrevivência (de seguro de pessoas e de previdência complementar aberta, respectivamente) que, após um período de acumulação de recursos (período de diferimento), proporcionam aos investidores (segurados e participantes) uma renda mensal - que poderá ser vitalícia ou por período determinado - ou um pagamento único. O primeiro, denominado VGBL, é classificado como seguro de pessoa, enquanto o segundo, com a denominação de PGBL é um plano de previdência complementar.

          É indiscutível a natureza securitária do VGBL. Diferentemente dos fundos de investimentos, as entidades que operam os planos de previdência privada são controladas e fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), conforme preceitua o Art. 1º do Decreto-Lei nº 73/1966.

2. Das disposições da Lei Complementar 109/2001:

             A Lei Complementar 109/2001 define o Regime de Previdência Privada, de  caráter complementar e baseado na constituição de reservas para a garantia do benefício nos termos do Art. 202 da Constituição Federal, operado por entidades de previdência complementar com o objetivo principal de instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário.

        O art. 73 da Lei Complementar 109/2001 diz que “as entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras".  Na mesma direção, temos que o Art. 108 do Decreto Lei nº 73/1996 trata das atividades de previdência complementar como operações de seguro.

             Também é de se ressaltar que consoante o que dispõe o art. 794 do Código Civil, no seguro de vida “o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito”.   É evidente a conlusão de que, sendo seguro, o VGBL não se sujeita à incidência do ITCD.

3. Das disposições do Art. 794 do Código Civil:

          Por sua vez, o Código Civil de 2002 dispõe em seu Art. 794 que os seguros de vida ou de acidentes não podem ser tratados como heranças, “in-verbis”:

“Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.”

        Conforme se vê, o Art. 794 do Código Civil determina que o capital estipulado em seguro de vida não é considerado herança para efeitos de direito sucessório, decorrendo daí a inarredável conclusão de que os “Planos VGBL”, por terem natureza jurídica de “seguro de pessoas por sobrevivência”, enquadram-se exatamente no mencionado dispositivo e como tal não pode ser alcançado pela incidência de ITCD.

          Ressalte-se ainda que os respectivos valores são impenhoráveis e em assim sendo não compõem o patrimônio do titular.

4. Da impenhorabilidade dos Planos de VGBL:

          Os prêmios pagos periodicamente são aplicados pelas entidades operadoras (seguradoras) em fundos de investimentos (FIE) e são impenhoráveis, porque não se constituem em patrimônio do titular do plano.  Ao contrário, destinam-se a garantir à seguradora a cobertura dos pagamentos conforme previsto em contrato e desta forma não podem ser caracterizados como herança que se transmite diretamente do “de cujus” para o beneficiário.

          O Art.  84 do DL nº 73/66 estabelece que para garantia de todas as suas obrigações, as seguradoras constituição reservas técnicas, fundos especiais e provisões, de conformidade com os critérios fixados pelo CNSP, além de reservas e fundos determinados em leis especiais. 

        A doutrina é unânime em afirmar que as provisões ou reservas técnicas e seus ativos não pertencem aos segurados, participantes ou beneficiários e a legislação é expressa no sentido de que são impenhoráveis, eis que destinam ao resguardo da estabilidade da entidade sob o aspecto financeiro, e dos segurados e participantes no seu aspecto econômico e social, previdenciário e providenciário - prever para prover - acumulando contribuições para que possa poder contar com um benefício para a sua própria subsistência ou de seus beneficiários.

        Ressalte-se ainda que o Código de Processo Civil, tanto o anterior (Art. 649) quanto o atual (Art. 833) incluem como absolutamente impenhoráveis, dentre outros, o seguro de vida (VGBL) e consequentemente os fundos (FIE) vinculados aos Planos de Previdência Privada (PGBL), sendo certo que no seu conjunto, a lei adjetiva intencionou proteger os benefícios e beneficiários dos seguros de vida e planos de previdência (dentre eles o VGBL e PGBL).

          A impenhorabilidade, pois, no caso, tem tudo a ver com o direito fundamental e constitucional da dignidade da pessoa humana, este que por sua vez tem a ver com a interpretação dos direitos humanos, significando buscar equilíbrio entre o direito natural e o direito positivo, tendo-se como fundamento a dignidade da pessoa e, daí, se extrair a norma mais favorável à proteção da sua dignidade ao caso concreto, sendo óbvio que entre o direito de um terceiro credor e o direito do segurado ou participante de plano previdenciário, o deste há de prevalecer. O respeito à dignidade da pessoa humana se busca tendo em vista ser ela o valor fundamental da ordem jurídica, sendo, portanto, a fonte das fontes do direito, irrenunciável e cimeiro de todo modelo constitucional, pois o homem e sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito.

             Os quatro postulados a seguir consolidam as características básicas dos Planos VGBL e PGBL, servindo como pilares para a sua definição, senão vejamos:

  1. As seguradoras e entidades de previdência privada não podem, assim como os próprios segurados ou participantes, dispor das reservas e provisões técnicas, a não ser para realizar sua destinação jurídica, porquanto ditas garantias são constituídas pelo aporte dos prêmios e contribuições que os segurados e participantes recolhem para compor os fundos destinados ao pagamento dos benefícios;
  2. Tampouco a SUSEP, por conseguinte, pode deixar de zelar pela sua impenhorabilidade;
  3. O segurado ou participante deve ter absoluta prioridade no recebimento dos benefícios, que em regra são sempre satisfeitos, mesmo em caso de liquidação, porque o pagamento não sai dos recursos da massa, mas das reservas e provisões técnicas, constituídas antecipadamente à data do benefício, e com o fim específico de concretizar os pagamentos tão logo sejam apurados os prejuízos ou apresentada a documentação exigida;
  4. Merecem elas ser protegidas por lei, justamente para estarem a salvo da sanha de terceiros.

          É interessantíssimo observar a jurisprudência do STJ representada, dentre outras, pela decisão da 2ª Seção, em Embargos de Divergência no REsp nº 1.121.719-SP, relatado pela eminente Ministra Nancy Andrighi, pela qual a Corte imprimiu como regra a natureza alimentar da verba do PGBL, quanto mais se se tratasse de um plano de previdência privada complementar tradicional, ou mesmo de um seguro de vida. Com tal decisão, o STJ, em sede de uniformização de jurisprudência, impediu a penhora de PGBL para pagamento de dívidas, manifestando-se no sentido de que o saldo de fundo de previdência privada complementar na modalidade de Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL) não pode ser penhorado para o pagamento de dívidas.    Por analogia, tal entendimento também deve ser aplicado ao fundo na modalidade de VGBL.

          Reconheceram os eminentes Ministros que nos Planos da modalidade PGBL (e, por conseguinte em situação análoga na modalidade VGBL), o participante realiza depósitos periódicos, que se transformam em uma reserva financeira. Esses valores podem ser resgatados de forma antecipada ou recebidos em data definida quando se implementar determinada condição, em uma única parcela ou por benefícios continuados aos beneficiários.  Não obstante, ao analisar o funcionamento desse fundo de previdência, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu, na sua decisão, que “em qualquer hipótese, não se pode perder de vista que, em geral, o participante adere a esse tipo de contrato com o intuito de resguardar o próprio futuro ou de seus beneficiários”, concluindo que a penhora caracterizaria medida por demais grave, devendo por isso ser afastada.

           Com efeito, a decisão do STJ define o rumo da jurisprudência sobre o assunto, devendo por isso servir de precedente para casos semelhantes, mormente nos que se demonstre que o PGBL estava sendo usado para acumular uma reserva futura. O precedente em tela também serve, e por mais forte razão ainda, aos seguros de vida, inclusive os Planos da modalidade VGBL.

 5. Das disposições da Lei 11.196/2005:

          A Lei Complementar nº 11.196/2005 dispõe em seu Art. 79 que os beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independente da abertura de inventário. Tal disposição se dá exatamente porque tais valores não são considerados “transmissão causa mortis” ou “herança” para todos os fins.

6. Da jurisprudência:

          Na maior parte dos Estados brasileiros não ocorre a exigência do recolhimento do ITCD sobre o VGBL e nos Estados que exigem tal recolhimento a questão vem sendo debatida no âmbito do Poder Judiciário, sendo de se ressaltar que no âmbito do Estado de Minas Gerais o Egrégio Tribunal de Justiça já vem consolidando a sua jurisprudência no sentido de que as normas que estabelecem o ITCMD não alcançam os valores dos resgates do VGBL pelos beneficiários.

6.1. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

          Submetida a questão ao crivo do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o mesmo já decidiu várias vezes no sentido de que “o VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) é um plano por sobrevivência classificado como seguro de pessoas, aplicando-se, por força do art. 73 da LC 109/2001, o disposto no artigo 794 do Código Civil de 2002, que o descaracteriza como herança para todos os fins de direito, impedindo a sua inclusão em inventário e tributação pelo ITCMD”, como nos julgados a seguir:

Ap.Cível/Rem.Necessária nº 1.0000.20530294-6/001. 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Remetente: Juízo da 3ª Vara de Feitos Tributários do Estado de Minas Gerais, Comarca de Belo Horizonte.  Relator: Des. Edilson Olímpio Fernandes).  27/10/2020. (Inteiro teor)

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL/REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO. PLANO VGBL. NATUREZA JURÍDICA SECURITÁRIA. FALECIMENTO DO SEGURADO. ITCD. NÃO INCIDÊNCIA.

A superintendência de Seguros Privados (SUSEP) estabelece que o VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) é um plano com cobertura por sobrevivência que detém natureza securitária, estando juridicamente classificado como contrato de seguro de pessoa. Por força do artigo 794 do Código Civil, os valores relativos ao VGBL não integram o acervo hereditário do “de cujus”, visto que não se caracterizam como herança e, por conseguinte não atraem a incidência do ITCD.”

Apelação Cível 1.0145.08.478656-8/001      4786568-45.2008.8.13.0145 

Relatora:  Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, 8ª Câmara Cível - Julgamento em 31/01/2013 - D.O.M.G. 14/02/2013, assim ementada:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO - ITCMD - INCIDÊNCIA SOBRE SALDO DE PLANO VGBL - IMPOSSIBILIDADE - NATUREZA DE CONTRATO DE SEGURO DE PESSOAS - APLICAÇÃO DO ART.794 DO CC/02 - PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS - ART.10 DA LEI ESTADUAL 14.941/03 (REDAÇÃO ORIGINAL) -- INCONSTITUCIONALIDADE - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS - INAPLICABILIDADE DA LEI 11.960/09 - RECURSO NÃO PROVIDO.


1) O VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) é um plano por sobrevivência classificado como seguro de pessoas, aplicando-se, por força do art.73 da LC 109/2001, o disposto no artigo 794 do Código Civil de 2002, que o descaracteriza como herança para todos os fins de direito, impedindo que a sua inclusão em inventário e tributação pelo ITCMD. 


2) A progressividade de alíquotas do ITCMD prevista no art.10 da Lei Estadual 14.941/02 (redação o original) é inconstitucional, por desconsiderar a capacidade econômica real do contribuinte.


3) Diante da ilegalidade da alíquota de 6% aplicada pelo Fisco (inciso I, alínea 'd') e, por não ser possível aplicar a alíquota mínima de 3% (alínea 'a') ao caso concreto, sob pena de "reformatio in pejus", deve ser mantido o percentual pleiteado pelos autores e adotado pelo sentenciante: 5% (alínea 'c').


3) Cuidando-se de repetição de indébito tributário, incidem juros moratórios no importe de 1% ao mês, desde o trânsito em julgado, na forma do artigo 161, § 1º do CTN, sendo inaplicável a Lei n.º 11.960/09, incidindo-se correção monetária pela tabela da Corregedoria-Geral de Justiça desde o pagamento indevido.”

6.2. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

                    No Estado do Rio de Janeiro, onde também existe lei específica determinando a incidência do VGBL sobre os Planos VGBL, o Egrégio Tribunal de Justiça também tem decidido no sentido de ser afastada a incidência do ITCD mediante a aplicação da regra prevista no Art. 794 do C. Civil, senão vejamos:

“INVENTÁRIO – POSSIBILIDADE DE ISENÇÃO DO ITCD – PLANO VGBL – NATUREZA DO BENEFÍCIO - INTELIGÊNCIA DO ART. 794, DO CÓDIGO CIVIL.

Considerando a natureza securitária do referido plano, deverá ser aplicada a regra prevista no art.794 do C.Civil. O Juízo singular deu correta solução a controvérsia, uma vez que não sendo a verba em comento considerada herança, deve ser afastada a incidência do imposto de transmissão causa mortis. Isenção que pode ser declarada pelo Juízo do inventário. Recurso desprovido” (0062338-20.2014.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DES. EDSON VASCONCELOS -Julgamento: 11/02/2015 – DECIMA SETIMA CÂMARA CIVEL).  (Grifo nosso).

“Agravo de instrumento. Alvará judicial. Pretensão do estado de fazer incidir imposto de transmissão causa mortis sobre os valores mantidos em VGBL (vida gerador de benefícios livres). Decisão agravada que indeferiu o pedido de recolhimento de ITCMD sobre os valores mantidos pelo falecido em VGBL. Manutenção da decisão. Não provimento do agravo de instrumento.” (TJRJ – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0035723-56.2015.8.19.0000 – data do julgamento: 27/01/2016).”

6.3.  Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul

"APELAÇÃO CÍVEL - INVENTÁRIO - PREVIDÊNCIA PRIVADA VGBL - NATUREZA SECURITÁRIA - LC 109/2001 E ARTIGO 794 DO CÓDIGO CIVIL - NÃO INCLUSÃO EM INVENTÁRIO - NÃO INCIDÊNCIA DO ITCD - RECURSO IMPROVIDO.

Segundo precedente do STJ os valores constantes dos planos de previdência privada estariam excluídos do campo de incidência do ITCMD, por não se submeterem às regras normais de sucessão e herança. [...]

'[...] A legislação aplicada ao regime de previdência complementar (Lei Complementar n° 109 de 29 de maio de 2001) dispõe, em seu artigo 73, a possibilidade de aplicação subsidiária da legislação de seguros às entidades de previdência complementar aberta. Por sua vez o Código Civil, ao disciplinar o Contrato de Seguros, dispõe em seu art. 794 que 'no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dividas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito'. Nesta linha de entendimento o STJ já decidiu que os valores constantes dos planos de previdência privada estariam excluídos do campo de incidência do ITCMD, por não se submeterem às regras normais de sucessão e herança. Esse foi o entendimento explicitado no julgamento do REsp. 877.965/SP, segundo o qual 'o contrato de previdência privada com plano de pecúlio por morte se assemelha ao seguro de vida, podendo também as normas aplicáveis às sociedades seguradoras estender-se, no que couber, às normas aplicáveis às entidades abertas de previdência privada (art. 73, LC n.109/2001)'. [...] Portanto, a interpretação de que o VGBL possui natureza de seguro de vida, leva à conclusão de que não deve haver a incidência do ITCMD, razão pela qual mantenho a sentença pelos seus próprios fundamentos. Isso posto, nego provimento ao recurso. [...]" (TJ/MS, 1a Câmara Cível, Apelação n° 0842989-53.2015.8.12.0001, Rei. Des. JOÃO MARIA LÓS, j. 14.02.2017)

6.4. Superior Tribunal de Justiça:

                    O Superior Tribunal de Justiça, também conhecido como o “Tribunal da Federação”, encarregado da unificação da jurisprudência quando ocorre divergência entre os Tribunais Estaduais no julgamento de matérias infraconstitucionais, como é o caso, já dirimiu a controvérsia no sentido de que os planos de previdência privada envolvendo pecúlio por morte, mesmo não sendo “genuíno contrato de seguro”, é de todo análogo ao seguro de vida, conforme se extrai da decisão proferida do REsp 877.965/SP, segundo a qual “o contrato de previdência privada com plano de pecúlio por morte se assemelha ao seguro de vida, podendo também as normas aplicáveis às sociedades seguradoras estender-se, no que couber, às entidades abertas de previdência privada (art. 73, LC n. 109/2001). 

“DIREITO CIVIL PREVIDÊNCIA PRIVADA. PLANO DE PECÚLIO POR MORTE. NATUREZA DO CONTRATO. SEGURO DE VIDA. SEMELHANÇA. MORA  DO CONTRATANTE. CANCELAMENTO  AUTOMÁTICO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INTERPELAÇÃO. JURISPRUDÊNCIA FIRME DA SEGUNDA SEÇÃO. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. APLICABILIDADE. TENTATIVA DE PURGAÇÃO DA MORA ANTES DO FATO GERADOR (SINISTRO). RECUSA DA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA. CONDUTA DO CONSUMIDOR PAUTADA NA BOA-FÊ. RELEVÂNCIA. PAGAMENTO DEVIDO.

1.       O contrato de previdência privada com plano de pecúlio por morte se assemelha ao seguro de vida, podendo também as normas aplicáveis às sociedades seguradoras estender-se, no que couber, às entidades abertas de previdência privada (art. 73, LCn167 109/2001).

2.       Portanto, à pretensão de recebimento de pecúlio devido por morte, aplica-se a jurisprudência da Segunda Seção relativa a contratos de seguro, segundo a qual 'o mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro não importa em desfazimento automático do contrato, para o que se exige, ao menos, a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mediante interpelação' (REsp., 316.552/SP, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, Segunda Seção, julgado em 14 9/10/2002, DJ 12/4/2004, p. 184).        

7. Recurso especial provido." (STJ, 4a Turma, REsp. n° 877.965/SP, Rei. Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJe 01.02.2012)”

AGInt nos Edcl no AREsp 947.006/SP, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF-5ª Região, Quarta Turma, julgado em 15/05/2018, DJe 21/05/2018:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. VALORES DEPOSITADOS EM PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA (VGBL). DISPENSA DE COLAÇÃO. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O Tribunal de origem, ao concluir que o Plano de Previdência Privada (VGBL), mantido pela falecida, tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida e não pode ser enquadrado como herança, inexistindo motivo para determinar a colaçã odos valores recebidos, decidiu em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

2. Nesse sentido: REsp 1.132.925/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 06/11/2013; REsp 803299/PR, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe DE 03/04/2014; EDcl no REsp 1.618.680/MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 01/08/2017.

3. Inexistindo no acórdão recorrido qualquer descrição fática indicativa de fraude ou nulidade do negócio jurídico por má-fé dos sujeitos envolvidos, conclusão diversa demandaria, necessariamente, incursão na seafa fático-probatório dos autos, providência vedada no recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ.

4. Agravo interno não provido.”

7. Das conclusões pela intributabilidade do VGBL pelo ITCMD.

          O ITCD é um Imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, previsto no Art. 155, I, da Constituição Federal de 1988, que, ao adotar o fato signo necessário ao estabelecimento da competência tributária dos Estados para a instituição do ITCD, utilizou implicitamente o conceito privado de herança quando estabeleceu a transmissão causa mortis como o elemento essencial ao nascimento da obrigação tributária concernente ao tributo.

          Por sua vez o Código Tributário Nacional, em seu Art. 35 disciplinou a incidência do Imposto, cabendo aos Estados a sua instituição e regulamentação, observados os princípios estabelecidos na Constituição e na legislação complementar.

          Apesar da competência outorgada aos Estados para a instituição e regulamentação do ITCD, é certo que o legislador estadual deve obedecer aos preceitos constantes do art. 110 do Código Tributário Nacional, ao dizer que “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

          Assim, tendo em vista a disciplina estabelecida no Direito Privado, em especial no Art. 794 do Código Civil e nos demais dispositivos legais citados, no sentido de não serem considerados herança, nem o seguro de vida e nem tampouco a previdência privada (VGBL e/ou PGBL), é de cristalino entendimento que a incidência do ITCD  reclamada pelo Estado de Minas Gerais mediante a interpretação no sentido da ocorrência do fato gerador tipificado no Art. 1º da Lei 14.941/2003, por se enquadrarem os referidos planos como “aplicações financeiras” e por conseguinte os pagamentos aos beneficiários como “herança”, não se sustenta juridicamente, porque tal interpretação e consequente imposição tributária violam frontalmente  o ordenamento jurídico pátrio, ao entrarem em rota de colisão frontal com o disposto no Art. 110 do Código Tributário Nacional, que na condição de “lex legum”, ou “lei de como fazer leis” determina que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente pela Constituição Federal para definir ou limitar competências tributárias.

          Conforme dito alhures, tendo a Constituição Federal adotado implicitamente o conceito de herança para delimitar a competência dos Estados e do Distrito Federal para a instituição do ITCD, é evidente que a lei 14941/2003 (Art. 1º, I) editada pelo Estado de Minas Gerais, assim como o seu Decreto regulamentador (Art. 31, II, “g”), ao inserir os valores oriundos dos contratos de VGBL transferidos aos beneficiários indicados pelo titular como fato gerador do referido Imposto, violam o Art. 110 do CTN, além de malferirem o disposto no § 1º do Art. 108 do mesmo Código ao aplicar a analogia para fins de incidência tributária.

               Desta forma, considerando-se que o Direito Civil não reconhece expressamente a natureza de herança aos Planos de VGBL (seguro de vida e previdência privada), falece competência aos Estados membros para alterar tais definições e consequentemente para exigir o ITCD sobre os pagamentos feitos aos beneficiários indicados pelo “de cujus” nos Planos VGBL.

                  Por tudo o que até aqui já foi explicitado, a conclusão inarredável é que os planos de VGBL se constituem efetivamente em uma modalidade de seguro de vida (seguro de pessoas) e ainda que o mesmo viesse a ser enquadrado como previdência complementar como é o caso do PGBL, teria a mesma natureza jurídica, jamais podendo ser interpretado como aplicação financeira.

                 Fundamentando-se nas respectivas legislações editadas em seus territórios, como é o caso do Estado de Minas Gerais, muitos Estados têm insistido no lançamento do ITCD sobre o VGBL, tanto nos processos de Inventários, quando determinam a apresentação da documentação relativa aos contratos desta natureza e exigem o pagamento do referido Imposto, quanto nos resgates pelos beneficiários nos resgates oriundos de "causa mortis" mediante a determinação de retenção na fonte pelas seguradoras e administradoras dos planos VGBL ou nos cruzamentos de dados com declarações de Imposto de Renda dos espólios, quando nesta última hipótese emitem Autos de Infração contra os beneficiários que resgataram valores decorrentes dos contratos de VGBL, contudo os contribuintes têm acionado o Poder Judiciário cuja jurisprudência é firme no sentido da não incidência do referido imposto, quer seja decidindo preventivamente pela dispensa dos pagamentos, pela anulação dos Autos de Infração ou pela restituição dos valores recolhidos a esse título, inclusive aqueles retidos na fonte pelas seguradoras e administradoras dos planos VGBL e PGBL.

 

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