Modulação dos Efeitos da Exclusão do ICMS da Base de Cálculo do PIS e COFINS será julgada em 29 de Abril

MODULAÇÃO DOS EFEITOS NA EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS SERÁ JULGADA EM 29 DE ABRIL

Janir Adir Moreira e Alessandra Camargos Moreira
Advogados Tributaristas

        Seguramente esse tema é representativo da maior discussão tributária em trâmite no judiciário brasileiro.    A questão vem sendo debatida há mais de duas décadas e foi dirimida em 2017 quando o STF, ao julgar o RE 574706, decidiu que o ICMS não deve integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS. 

      Segundo o STF, o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, não constituindo receita bruta ou faturamento e por via de consequência não pode integrar a base de cálculo das referidas contribuições.   O conceito de faturamento diz com a riqueza própria, quantia que ingressa nos cofres de quem procede a venda de mercadorias ou a prestação de serviços e se adiciona ao seu patrimônio, sendo esta a base de cálculo para fins de cobrança das referidas contribuições.

        Após o reconhecimento da existência da repercussão geral e até que o STF julgasse o RE 574706 em março de 2017, os processos em andamento perante o Poder Judiciário tiveram a sua tramitação suspensa nos respectivos locais onde se encontravam.  Por outro lado, após a publicação da decisão proferida no RE 574706, em 29/09/2017, os processos que se encontravam com a tramitação suspensa foram liberados e muitos deles já transitaram em julgado, possibilitando assim aos contribuintes fazerem as respectivas habilitações perante a Receita Federal do Brasil, de forma a iniciarem as compensações dos valores recolhidos a mais com tributos administrados pela RFB  ou ainda promoverem a execução dos julgados para a repetição do indébito, em regra, retroativamente a cinco anos da data do ajuizamento das respectivas ações.  

        A Receita Federal do Brasil, acabou por editar a Solução de Consulta Interna (SCI) Cosit 13/2018, através da qual pretendeu regular o procedimento para o cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado relativas à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, no regime cumulativo ou não cumulativo de apuração, concluindo que o valor do ICMS a ser excluído da Receita Bruta corresponde ao imposto pago relativamente a cada um dos períodos de apuração. Segundo esse entendimento é evidente que ocorre grave distorção na apuração das referidas contribuições, uma vez que independentemente do valor líquido apurado em relação dos respectivos períodos-base, o valor do imposto embutido no preço da venda correspondente à aplicação da alíquota sobre o respectivo preço, constituindo o seu destaque no documento fiscal, mera indicação de valor.  Assim, pode-se afirmar que o valor a ser excluído da respectiva base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS é aquele destacado na respectiva nota fiscal de venda da mercadoria ou da prestação do serviço de transporte e/ou comunicação.  Salta aos olhos o flagrante equívoco interpretativo incorrido na edição da referida Solução de Consulta Interna, eis que a Suprema Corte foi clara ao explicitar qual seria o valor a ser excluído da base de cálculo. 

        Vale destacar trecho do voto condutor do acórdão, proferido pela relatora do leading case, ministra Cármen Lúcia, em que a mesma deixa claro e extremo de dúvidas que o valor a ser excluído é aquele destacado nas respectivas notas fiscais, ou seja, o valor do ICMS incidente sobre a operação, in-verbis: 


"(...)
Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na 'fatura' é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições.
Portanto, ainda que não no mesmo momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual será transferido.
(...)
Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins. (Grifo nosso).



        O acórdão decorrente desse julgamento reproduziu fielmente o entendimento da relatora conforme se vê da ementa a seguir: 


“RECURSO EXTRAORDINÁRIO 574706
Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA 

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS.

2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS.

3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações.

4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
RE 574.706/PR - Julgamento 15/03/2017 - DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017 - Repercussão Geral”
 

        No prazo legal, após o julgamento da questão a Fazenda Nacional opôs Embargos de Declaração para pleitear esclarecimentos sobre qual o valor deverá ser excluído da base de cálculo, ou seja, se esse valor equivale ao ICMS pago no período ou o ICMS destacado na NF.  Pediu também a modulação dos efeitos para atribuir eficácia apenas a partir da publicação do acórdão. O julgamento desse ED foi pautado para o dia 29/04/2021, quando então a situação será definida.

        Quanto ao pedido de definição de qual valor a ser excluído, nos parágrafos anteriores já explicitamos que o STF foi absolutamente claro no sentido de que há que se excluir o valor total do ICMS incidente sobre a saída, ainda que uma parte do mesmo seja compensado com os créditos pelas aquisições.  Desta forma esperamos apenas que o STF confirme o que ao nosso sentir já está claro. 

        Temos visto que nas hipóteses em que não tenha havido alteração da jurisprudência, como no caso da exclusão do ICMS da base das contribuições ao PIS e COFINS, normalmente o STF tem negado a modulação dos efeitos, preservando-se assim os Princípios da Confiança e da Segurança Jurídica. 

        Há que se considerar ainda que mesmo na hipótese do deferimento da modulação dos efeitos para ter eficácia apenas a partir do julgamento dos Embargos de Declaração, segundo a jurisprudência firme da Suprema Corte, devem ser respeitados os direitos daqueles que já estejam discutindo a matéria em juízo ou que já tenham decisões com trânsito em julgado. 

        É improvável a possibilidade de o STF decidir pela inconstitucionalidade de uma exigência tributária e mesmo assim restringir o direito à restituição ou compensação dos valores indevidamente recolhidos pelos contribuintes, à vista do simplório argumento de que isto poderia causar graves danos ao erário, quando efetivamente desde o julgamento do RE 240785 em 23/02/2015, reafirmado pelo julgamento do RE 574706 com ementa disponível desde 29/09/2017, tornou-se possível à União Federal provisionar os respectivos valores (o que tem sido feito regularmente). Certamente que isto atentaria contra o valor da Justiça, consagrado na Carta Magna do País. 

        Assim, no pior cenário, se ocorrer a modulação dos efeitos, os contribuintes que ingressarem em juízo após o julgamento não terão direito à restituição ou compensação do que pagaram indevidamente, resguardados os direitos daqueles que iniciaram a discussão judicial em data anterior.   É de se esperar que o STF, como guardião da Constituição Federal, impeça o Estado brasileiro de se apropriar de valores arrecadados sem amparo constitucional e em decorrência do passar do tempo e do discurso de possível “lesão aos cofres públicos” possa vaticinar o abuso de poder através de uma arrecadação absolutamente sem causa. 

© 2021 Janir Adir Moreira e Advogados Associados. All Rights Reserved | Design by Janir