Imunidade do ITBI alcança incorporação de imóveis ao capital de empresas de qualquer atividade

INTERPRETAÇÃO QUANTO AOS EFEITOS DA DECISÃO DO STF QUE LIMITOU A IMUNIDADE DO ITBI AO VALOR DO CAPITAL INTEGRALIZADO.

Janir Adir Moreira e Alessandra Camargos Moreira

Advogados Tributaristas

      O objetivo deste artigo é a análise dos efeitos do julgamento do RE nº 796.376, proferido pelo STF, com repercussão geral reconhecida (Tema 796), decidido por maioria, em que prevaleceu o voto-vista do Ministro Alexandre de Moraes.

          A tese sufragada pelo STF tem a seguinte dicção:

Tese 796: A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

      Para subsidiar as conclusões sobre a extensão dos efeitos do julgado inicialmente buscamos identificar os limites e o histórico da ação, para então buscar a compreensão de seus termos.    Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por uma empresa de participações societárias estabelecida no Estado de Santa Catarina, que promoveu a incorporação de imóveis avaliados por R$802.724,00 ao seu patrimônio, destacando-se o valor aproximado de R$24.000,00 para integralização de capital e o excedente de R$778.724,00 registrado como ágio na subscrição e classificado como Reservas de Capital integrante do Patrimônio Líquido.  O Secretário da Fazenda do Município indeferiu a expedição da certidão de desoneração do ITBI mediante a alegação de que a imunidade apenas alcançaria o valor de R$24.000,00 integralizado ao capital social.

      A sentença foi pela procedência da ação mandamental, posteriomente reformada por acórdão da 4ª Câmara de Direito Público do TJSC, que deu provimento à apelação do Município de São João Batista e assentou a incidência do ITBI na integralização do capital da empresa, afastando a imunidade tributária prevista no art. 156, § 2º, inciso I, da Constituição Federal.

      Inconformada a impetrante aviou o Recurso Extraordinário RE nº 796.376, que em 05/03/2015 teve o reconhecimento da repercussão geral pelo STF através do acórdão  publicado no dia 20 subsequente, assim ementado:

IMPOSTO DE TRANSMISSÃO – ITBI – IMÓVEIS INTEGRALIZADOS AO CAPITAL DA EMPRESA – ARTIGO 156, § 2º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE – LIMITAÇÃO OBSERVADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.

Possui repercussão geral a controvérsia alusiva ao alcance da imunidade quanto ao Imposto de Transmissão nos casos de imóveis integralizados ao capital social da empresa, cujo valor de avaliação ultrapasse o da cota realizada, considerado o preceito do artigo 156, § 2º, inciso I, da Carta Federal.

      O representante do Ministério Público Federal formulou parecer pelo desprovimento do recurso, “in-verbis”:

“A interpretação teleológica do preceito conduz ao entendimento de que a imunidade do art. 156, § 2º, I, da Constituição, na transmissão dos bens necessários para a formação do capital social de sociedade limitada, não se estende para além do valor estipulado no contrato social a esse título. (Grifo nosso)

Do voto do relator: (vencido)

      O relator, Ministro Marco Aurélio proferiu voto pelo provimento do recurso, contudo ficou vencido.  Eis o resumo de seu voto:

“ITBI – IMUNIDADE. Revela-se imune ao Imposto sobre a Transmissão entre Vivos de Bens Imóveis – ITBI a incorporação destes ao patrimônio de pessoa jurídica, ainda que o valor total dos bens exceda o limite do capital social a ser integralizado – inteligência do artigo 156, § 2º, inciso I, da Constituição Federal.” 

“O capital social da recorrente foi integralizado mediante incorporação de imóveis com valor superior ao das cotas subscritas, sendo a diferença lançada, à conta de ágio, no patrimônio líquido.

(...)Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[…]

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[…]

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

      Embora, ordinariamente, a contrapartida dos sócios se exprima na figura do capital social, nem sempre isso ocorre, seja em razão da vontade, seja em consequência de fatores econômicos. Nesses casos, o ágio alimentará outra conta do patrimônio líquido, chamada reserva de capital. Eis o que prescreve o artigo 182, § 1º, alínea “a”, da Lei nº 6.404/1976:

“Art. 182. A conta do capital social discriminará o montante subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.

§ 1º Serão classificadas como reservas de capital as contas que registrarem:

a) a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar a importância destinada à formação do capital social, inclusive nos casos de conversão em ações de debêntures ou partes beneficiárias;”

(...) O ágio na subscrição de cotas ou ações representa investimento direto em sociedade empresária, tanto quanto a integralização de capital pura e simples, devendo receber idêntico tratamento. É consagrada a noção: onde houver o mesmo fundamento, aplica-se o mesmo direito.

            E nem se diga ter o constituinte, ao lançar a expressão “em realização de capital”, afastado a interpretação teleológica ora proposta. Mediante a previsão, buscou-se manter a incidência do ITBI em outras formas de aquisição da propriedade, como a dação em pagamento e a compra e venda – situações nas quais os bens se incorporam ao patrimônio da pessoa jurídica, ausente realização de capital.”

Do voto divergente: (vencedor)

     O Ministro Alexandre da Moraes abriu a divergência e proferiu seu voto que foi seguido pela maioria dos Ministros, sendo que para a compreensão da análise do julgado, a seguir reproduzimos parte do mesmo:

"VOTO

O  SENHOR  MINISTRO  ALEXANDRE  DE  MORAES:  Trata-se  de Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em que se debate o Tema 796 da repercussão geral, assim descrito:

“Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 1º, IV, 5º, II e XXXVI, 37, caput, 156, § 2º, I, e 170 da Constituição Federal, o alcance da imunidade tributária do Imposto de Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis - ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Lei Maior, em relação à incorporação de imóveis ao patrimônio de empresa, nos casos em que o valor total desses bens excederem o limite do capital social a ser integralizado.”

Na origem, Lusframa Participações Societárias Ltda. impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato do Secretário da Fazenda Municipal de São João Batista/SC, que reconheceu apenas parcialmente a imunidade do ITBI sobre os bens imóveis incorporados ao patrimônio da impetrante a título de realização de capital, exigindo o tributo sobre a diferença entre o valor do capital social e o dos bens transferidos.

Informou que

(a) foi constituída em maio de 2010, com objeto social determinado para participação societária e acionária em outras empresas, e representação comercial por conta própria ou de terceiros;

(b) o capital social da empresa é R$ 24.000,00, e foi integralizado mediante bens imóveis (17 imóveis) cujo valor total (R$ 802.724,00) é superior ao do capital social; e

(c) a autoridade coatora se nega a emitir guia de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) com imunidade integral na transferência dos bens, conforme previsão do art. 156 da Constituição Federal de 1988 e art. 36 do Código Tributário Nacional, sob o argumento de que a imunidade atinge somente o montante do capital social da empresa a ser integralizado.

Ao final, pleiteou a declaração de imunidade tributária em relação  ao ITBI sobre o valor total do imóveis transferidos.

A sentença concedeu a segurança, para reconhecer a imunidade tributária sobre todos os imóveis transmitidos e determinar que a autoridade coatora se abstivesse de exigir o ITBI sobre a transmissão daqueles bens incorporados ao patrimônio da impetrante a título de realização de capital.

Em seguida, o Tribunal de origem, em sede de apelação e de  reexame necessário, reformou a sentença, para denegar a segurança, ao entendimento de que a imunidade do ITBI incide apenas sobre o valor do imóvel suficiente para a integralização do capital social da empresa.

Decidiu que deve ser tributada a diferença, no montante de R$ 778.724,00, apurada entre os valores do capital social subscrito e dos bens dados em pagamento para a integralização da quotas sociais. O acórdão recebeu a seguinte ementa:

“TRIBUTÁRIO — ITBI — INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA  —  IMUNIDADE  TRIBUTARIA  (ART.  156,  §    2°, INCISO II, DA CF/1988) — VALOR DOS IMÓVEIS SUPERIOR AO DO CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO E DAS COTAS DOS SÓCIOS RESPECTIVOS — IMUNIDADE QUE ALCANÇA APENAS O LIMITE DO CAPITAL E DAS COTAS (INTEGRALIZADAS COM IMÓVEIS —  EXCEDENTE SUJEITO  À  TRIBUTAÇÃO  —  SENTENÇA  REFORMADA.

A imunidade tributária prevista na primeira parte do inciso II   do § 2° do art. 156, da Constituição Federal de 1988 impede a incidência do imposto de transmissão de bens imóveis "inter vivos" somente sobre o valor do imóvel necessário à integralização da cota do capital social. Vale dizer, sobre o valor do imóvel incorporado que excede o limite do capital social a ser integralizado ou da própria cota do sócio respectivo, haverá incidência do tributo.”

Opostos Embargos de Declaração pela impetrante, foram rejeitados.

Irresignada, a empresa interpôs Recurso Extraordinário, com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, em que aponta violação ao art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, além dos princípios constitucionais da legalidade (37, II), da reserva legal (art. 5º, II), da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI), da da livre iniciativa e da autonomia da vontade (arts. 1º, IV, e 170). Para tanto, sustenta que:

a)         o fisco municipal e o acórdão recorrido afrontaram o princípio da legalidade ao impor limitação à imunidade do ITBI em relação aos imóveis destinados à integralização do capital social da empresa, haja vista tal restrição não estar prevista na Constituição, nem no Código Tributário Nacional;

b)         “ocorrendo a incorporação dos imóveis para fins de integralização do capital social, deve a empresa ora recorrente estar imune ao pagamento do tributo de transmissão sobre bens imóveis, não podendo ser criado ou estabelecido nenhum outro critério além daqueles previstos na Constituição Federal, a aplicação de tal critério de exceção  traduz verdadeira insegurança jurídica ao empresariado;

c)         “negar a concessão de benefício constitucional para empresa recorrente seria negar consequentemente o preceito que visa motivar  os particulares à exploração de atividades empresariais”, o que contraria o objetivo da norma inscrita no art. 170 da CF;

d)         a vedação ao poder de tributar constante no art. 156, § 2º, I, constitui imunidade tributária e, como tal, não admite limitação; e

e)         as ilações do Tribunal de origem a respeito das razões pelas quais se pretende destinar imóveis em valor superior ao da integralização do capital viola à livre iniciativa, pois não há nenhuma norma legal que proíba tal conduta, uma vez que o valor dos imóveis excedente ao capital social figurará na contabilidade empresarial com reserva capital, conforme o acordo de vontade dos sócios consubstanciado no contrato social da empresa.

Sem contrarrazões.

O  Recurso Extraordinário foi admitido na instância de origem.

Em 5/3/2015, o Plenário desta CORTE reconheceu a repercussão geral da matéria.

Em parecer, a Procuradoria-Geral manifestou-se pelo desprovimento do recurso, nos termos da seguinte ementa:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL. ITBI. IMUNIDADE. ART. 156, § 2º, I, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE.  TELEOLOGIA DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVINE A TRIBUTAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1          – A interpretação teleológica do preceito conduz ao entendimento  de  que  a  imunidade  do  art.  156,  §  2º,  I,     da Constituição, na transmissão dos bens necessários para a formação do capital social de sociedade limitada, não se estende para além do valor estipulado no contrato social a esse título.”

Parecer pelo desprovimento do recurso.

A Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras – ABRASF foi admitida no processo como terceira interessada.

É o essencial a ser relatado.

Na questão com repercussão geral reconhecida, debate-se o alcance da imunidade tributária do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor desses bens excede o limite do capital social a ser integralizado.

A Constituição Federal confere imunidade em relação ao ITBI da seguinte forma:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…)

I           - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização  de  capital,  nem  sobre  a  transmissão  de  bens  ou       direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”

A CARTA MAGNA de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis. Do teor do inciso I acima, extrai-se que não incide  o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica.

O inciso I do art. 36 do Código Tributário Nacional reflete esse mandamento constitucional, ao dispor que:

“Art. 36 Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

I           – quando efetuada sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito”;

II          – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.”

Esse dispositivo foi recepcionado pela CF/88, por se harmonizar com o teor do inciso I do § 2º, do art. 156 da Lei Maior.

Segundo KIYOSHI HARADA, o que a norma imuniza não é qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica; a  norma imunizante diz respeito exclusivamente ao  pagamento em bens ou direitos que o sócio faz para integralização do capital social subscrito que pode ocorrer tanto no início da constituição de pessoa jurídica, como também posteriormente por ocasião do aumento do capital (ITBI  - Doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2010, p. 85).

Comparando-se a redação do aludido inciso I com a do art. 9º, § 2º da Emenda Constitucional 18/1965, verifica-se que não há, nesse  parágrafo 2º da EC, a menção à situação de “transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”. Vejamos:

“Art. 9º Compete aos Estados o imposto sôbre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza ou por cessão física, como definidos em lei, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia.

§ 2º O imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos neste artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja a venda ou a locação da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.”

Como se vê, a ressalva contida no § 2º acima transcrito referia-se à circunstância diferente daquelas eleitas pelo inciso I do § 2º do art. 156 da atual Constituição Federal. Para maior clareza, comparemos:

“Art. 156 - (...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I           -  não  incide  sobre  a  transmissão  de  bens  ou  direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”

Essa distinção é importante, porque tem levado certa parte da doutrina e da jurisprudência a defender a não incidência do ITBI sobre o valor dos bens incorporados que for excedente ao do capital subscrito. Argumentam os defensores desta posição que qualquer incorporação de bens à pessoa jurídica é imune, pois as únicas exceções são aquelas expressamente definidas no final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88. Com essa alegação, propugnam que o intérprete não pode inovar criando outras hipóteses excepcionais.

A esse respeito, o já mencionado professor HARADA esclarece que as ressalvas previstas na segunda parte do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 aplicam-se unicamente à hipótese de incorporação de bens decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I.

Nesses últimos casos, há, da mesma forma, incorporação de bens, mas que decorre da “incorporação que é uma operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” (art. 227 da Lei 6.404/1976 – Lei de Sociedades Anônimas); cisão - operação pela qual uma sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais empresas (art. 229 da Lei das S.A); ou fusão - operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma nova sociedade que lhe sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228 da Lei das S.A.).

Em todas essas hipóteses, há incorporação do patrimônio imobiliário de uma sociedade para outra, mas sem qualquer relação com a incorporação (integração) referida na primeira parte do citado inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF, que alude à transferência de bens para integralização do capital.

Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I - “ nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão  ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou  direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” - revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF.

Esse entendimento é corroborado pela didática lição de EDUARDO DE MORAES SABBAG que, ao comentar o dispositivo constitucional em questão, apresenta um exemplo bastante esclarecedor:

“ITBI e Imunidades

Art. 156. “Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

II          - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I           - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização  de  capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

II          - compete ao Município da situação do bem. (grifos no original)"

O ITBI não incide sobre a transmissão de bens incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, salvo se a atividade preponderante da adquirente for a compra e venda desses bens. A preponderância existe se a atividade representar mais de 50% da receita operacional, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes (art. 37, § 1º, do CTN).

Exemplificando: Se uma empresa “A” (atividade:  fabricação de azulejos), com sede em Brasília, incorpora uma empresa “B” (atividade: compra e venda de imóveis, preponderantemente), com sede no Rio de Janeiro, havendo transmissão de todos os direitos e bens da empresa “B” para a adquirente “A”, incluindo um imóvel localizado na cidade do Recife, pergunta-se: pagar-se-á ITBI a quem?

Não se pagará o ITBI, uma vez que o caso de imunidade específica. Se a empresa “A” fosse aquela que tivesse comprado e vendido imóveis, teríamos, sim, a incidência do ITBI (para Recife, no caso). Note que a empresa adquirente é quem exerce a preponderante, havendo, portanto, nítida regra imunitória. (Elementos do Direito, Direito Tributário, 8ª ed. São Paulo: Premier Máxima, 2007, p. 340), (grifos no original).

Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira  parte desse inciso.

Assim, o argumento no sentido de que incide a imunidade em relação ao ITBI, sobre o valor dos bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital, excedente ao valor do capital subscrito, não encontra amparo no inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88, pois a ressalva sequer tem relação com a hipótese de integralização de capital.

Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito.

Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo - como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital.

Essa extensão interpretativa em termos de imunidades não é aceita por nossa SUPREMA CORTE, por constituir exceção constitucional à capacidade tributária: (grifos nossos)

“IMUNIDADE  –  CAPACIDADE  ATIVA  TRIBUTÁRIA.

A imunidade encerra exceção constitucional à capacidade ativa tributária, cabendo interpretar os preceitos regedores de forma estrita. IMUNIDADE – EXPORTAÇÃO – RECEITA – LUCRO.

A imunidade prevista no inciso I do § 2º do artigo 149 da Carta Federal não alcança o lucro das empresas  exportadoras. LUCRO   –   CONTRIBUIÇÃO   SOCIAL   SOBRE   O    LUCRO LÍQUIDO – EMPRESAS EXPORTADORAS. Incide no lucro das empresas exportadoras a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.(RE 564413, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal  Pleno,  REPERCUSSÃO  GERAL  –  MÉRITO,  DJe  de 6/12/2010)

EMENTA:        CONSTITUCIONAL.   IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 149, § 2º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO DA IMUNIDADE À CPMF INCIDENTE SOBRE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS RELATIVAS A RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO ESTRITA DA NORMA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

I - O  art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal é claro ao limitar a imunidade apenas às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico incidentes sobre as receitas decorrentes de exportação. II - Em se tratando de imunidade tributária a interpretação há de ser restritiva, atentando sempre para o escopo pretendido pelo legislador. III - A CPMF não foi contemplada pela referida imunidade, porquanto a sua  hipótese de incidência - movimentações financeiras - não se confunde com as receitas. IV - Recurso extraordinário desprovido. (RE 566.259, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO, DJe de 24/9/2010)”

Disso decorre, logicamente, que, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas.

Por outro lado, nada impede que os sócios ou os acionistas contribuam com quantia superior ao montante por eles subscrito, e que o contrato social preveja que essa parcela será classificada como reserva de capital. Essa convenção se insere na autonomia de vontade dos subscritores.

O que não se admite é que, a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal.

Ainda que o preceito constitucional em apreço tenha por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas, não chega ao ponto de imunizar imóvel cuja destinação escapa da finalidade da norma.

No caso concreto, a diferença entre o valor do capital social e os imóveis incorporados é de R$ 778.724,00. É de indagar-se a razão pela qual uma empresa, cujo capital social é de R$ 24.000,00, pretende constituir uma reserva de capital em montante tão superior ao seu capital, e, sobretudo, livre do  pagamento de imposto.

Assim, não cabe conferir interpretação extensiva à imunidade do ITBI, de modo a alcançar o excesso entre o valor do imóvel incorporado e o limite do capital social a ser integralizado.

Diante de todo o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao Recurso Extraordinário, com a fixação da seguinte Tese:

“A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.””

Do precedente vinculante:

     Da análise da tese aprovada, em consonância com a “ratio decidendi” da ação, temos que o alcance da decisão é exclusivamente para que na integralização de bens imóveis ao capital das empresas, a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal se aplique exclusivamente sobre os valores dos imóveis utilizados para a quitação do capital social a ser integralizado. Isto quer dizer que, na hipótese do investidor utilizar-se de parcelas dos imóveis, além do valor atribuído à integralização de capital, lançando a diferença como ágio de subscrição e/ou reservas de capital, estas parcelas sujeitar-se-ão à incidência normal do ITBI.

     Tendo em vista que a tese 796 refere-se ao disposto na primeira parte do Inciso I do § 2º do art. 156 da CF/88, segundo o qual a qual o ITBI "não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização  de  capital", é certo que os seus efeitos aplicam-se única e exclusivamente nesta hipótese, ou seja, a não-incidência qualificada constitucionalmente (imunidade) somente se aplica até o limite do valor utilizado para a integralização de capital.

     Não se pode perder de vistas que no caso objeto do julgamento, o debate se deu para definir o alcance da imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, sobre imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, quando o valor desses bens excede o limite do capital social a ser integralizado.   No caso, foi a própria empresa recorrente que ao receber os imóveis pelo valor de R$802.724,00, fez constar em seu ato constitutivo (alteração contratual) que o valor de R$24.000,00 foi utilizado para a integralização de capital subscrito pelos sócios e em relação à diferença entre o referido capital e o valor total dos imóveis, no valor de R$778.724,00 constituiu uma reserva de capital e a contabilizou em seu Patrimônio Líquido. 

     Assim, os limites da coisa julgada e consequentemente dos precedentes que vinculam os Juízes de quaisquer instâncias, uma vez que proferida na sistemática de repercussão geral, dizem respeito exclusivamente à limitação da imunidade do ITBI conferida pelo art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal ao valor do capital social integralizado com os imóveis, consoante o disposto nos atos constitutivos das empresas, não se estendendo, por conseguinte aos valores excedentes, porventura atribuídos pelos contribuintes como ágio de subscrição ou reservas de capital.   Isto, e nada mais.

Da impossibilidade de extensão do preceito vinculante à diferenças entre avaliação dos imóveis e o seu valor de aquisição (valor lançado nas declarações de bens do investidor pessoa física ou na contabilidade do investidor pessoa jurídica) utilizado para integralização de capítal:

     Para que não ocorram mal entendidos, é interessante ressaltar que não foi objeto da ação e nem tampouco constou dos fundamentos ou dispositivos do julgado, a questão ligada à possível incidência do ITBI sobre a diferença entre a avaliação dos imóveis utilizados para integralização de capital (avaliação pelas Prefeituras Municipais com a finalidade de se apurar a base de cálculo do ITBI, ou por quaisquer outros orgãos para quaisquer outras finalidades) e o valor dos imóveis utilizado pelos investidores para a integralização de capital nas empresas.

     A situação tratada neste tópico é absolutamente normal e e muito utilizada pelos investidores na integralização de capital com imóveis, uma vez que a legislação do Imposto sobre a Renda permite ao contribuinte que se utilize de imóvel para integralização de capital, que o faça pelo seu valor histórico (ou valor constante de sua declaração de bens em caso de pessoa física ou valor contábil em caso de pessoa jurídica).  Na prática, temos que se o contribuinte utilizar-se do valor histórico do bem para integralização de capital, não haverá a ocorrência de “ganho de capital”, enquanto que utilizando-se de valor de mercado, deverá recolher o Imposto de Renda sobre o referido ganho de capital, e por esta razão, dentre outras, muitos contribuintes exercem a opção de integralização do capital em imóveis pelo seu valor histórico, sendo tais fatos absolutamente irrelevantes para a aplicação da imunidade quanto ao ITBI.   É dizer que a imunidade aplica-se sobre o valor total dos imóveis utilizados para integralização de capital, independentemente da constatação se tal valor é o aquisição ou de mercado.     Para a compreensão desse julgado basta dizer que no caso dos autos, se a recorrente houvesse determinado aumento de capital no valor total de R$802.724,00 e utilizado os mesmos imóveis para a integralização do aumento, a imunidade teria alcançado o valor total dos referidos imóveis, porque o mesmo não teria ultrapassado o limite do capital integralizado com a sua utilização.

     Há que se argumentar pela absoluta impropriedade e inaplicabilidade de avaliação dos imóveis utilizados para integralização de capital de empresas por parte das Prefeituras Municipais, uma vez que tal avaliação somente encontra respaldo na legislação pertinente, se realizada para determinar a base de cálculo do ITBI nas hipóteses em que ocorre o seu fato gerador (transmissão onerosa da propriedade) e estando a operação de integralização de capital com imóveis amparada pela imunidade constitucional (art. 156,§ 2º, I da CF/88), não ocorrerá o fato gerador do referido tributo.

    Assim, a conclusão inarredável é que a tese firmada pelo STF, em que a imunidade tributária conferida pelo art. 156, § 2º, I,  da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que ultrapassar o capital social a ser integralizado, o que ocorre na hipótese em que a empresa que receber o imóvel o avalie por valor superior àquele utilizado para quitar a integralização de capital, lançando a diferença em quaisquer outras contas do Patrimônio Líquido (ágio de subscrição, Reservas de Capital), não se estende à possível interpretação no sentido da tributação da diferença entre o valor de avaliação promovida pelos órgãos municipais com base quaisquer critérios para aferição de valor de mercado e o valor do bem efetivamente utilizado pela empresa para integralização de capital.  

     Fizemos esta observação, uma vez que não é de se duvidar que no universo de milhares de municípios brasileiros possa ocorrer que alguns deles, de forma desavisada ou na busca do aumento injustificado da tributação, pretendam exigir o ITBI nesta absurda hipótese.

Dos precedentes no sentido da aplicação da imunidade do ITBI conferida pelo art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, na utilização de imóveis para integralização de capital de pessoas jurídicas, quaisquer que sejam as atividades por elas exercidas.

     Outra questão importantíssima que decorreu do julgamento do RE nº 796.376, diz respeito à fundamentação utilizada pelo Ministro Alexandre de Moraes para justificar o seu voto e que acabou por definir que a imunidade tributária do ITBI na integralização de imóveis ao capital social é aplicável integralmente também nas hipóteses em que as empresas destinatárias da referida integralização com imóveis, exerçam as atividades compra e venda desses bens e direitos, locação e imóveis e arrendamento mercantil.

     Para se chegar a esta conclusão, partimos da constatação de que a recorrente, na fundamentação do RE, assim se expressou:

“ocorrendo a incorporação dos imóveis para fins de integralização do capital social, deve a empresa ora recorrente estar imune ao pagamento do tributo de transmissão sobre bens imóveis, não podendo ser criado ou estabelecido nenhum outro critério além daqueles previstos na Constituição Federal, a aplicação de tal critério de exceção traduz verdadeira insegurança jurídica ao empresariado; (grifo nosso)

     Assim, o fundamento básico utilizado pela mesma foi no sentido de que não poderia ser criado ou estabelecido nenhum outro critério além daqueles previstos na Constituição Federal para se exigir o pagamento do ITBI na hipótese de utilização de imóvel para incorporação ao capital.  

     Por sua vez, o Ministro Alexandre de Moraes, para se contrapor aos argumentos da recorrente, utilizou-se dos fundamentos a seguir evidenciados e acabou por criar um precedente até então inexistente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em relação ao qual é absolutamente interessante fazermos a análise para depois concluirmos.

     Iniciou por reproduzir o art. 156, II, § 2º, I, da Constituição Federal de 1988, a saber:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…)

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

     Observamos então que o Ministro Alexandre de Moraes, explicitar a sua fundamentação, dividiu o texto do art. 156, § 2º, I, da CF/1988 em duas partes distintas, a saber:

a) A primeira parte da oração é aquela que trata da não incidência sobre “a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital”, e,

b) a segunda parte da oração que é aquela que trata da não incidência sobre “a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

     Somente para adequarmos a análise, temos que no caso dos autos a discussão travou-se exclusivamente em relação à primeira parte da oração, eis que o objeto do RE diz respeito à incorporação de imóveis ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital.

     Na sequência, o Ministro interpretou o texto constitucional acima para ao final concluir que “a Carta Magna” de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis” e que “do teor do inciso I acima, extrai-se que não incide o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica, afirmando que o inciso I do art. 36 do Código Tributário Nacional reflete esse mandamento constitucional ao dispor que:

“Art. 36 Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

  1.  quando efetuada sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito; (grifo nosso)

  1.  quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.”

     Não restam dúvidas de o dispositivo do CTN acima mencionado foi recepcionado pela CF/88, por se harmonizar com o teor do inciso I do art. 2º, do art. 156 da Lei Maior.

     Na linha interpretativa do ministro Alexandre de Moraes, ele se fundamentou em doutrina minoritária do Ilustre Prof. Kiyoshi Harada, segundo a qual, “o que a norma imuniza não é qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica; a norma imunizante diz respeito exclusivamente ao pagamento em bens ou direitos que o sócio faz para integralização do capital social subscrito que pode ocorrer tanto no início da constituição de pessoa jurídica, como também posteriormente por ocasião do aumento do capital (ITBI - Doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2010, p. 85). (grifo nosso)

     Vemos então que o Ilustre prolator do voto vencedor no julgamento do STF procurou estabelecer a grande diferença entre as duas hipóteses de não-incidência previstas no art. 156, II, § 2º, I, da Carta Magna, sendo que para fins da caracterização da definição, aduziu os elementos caracterizadores de cada uma delas.

     Visando a evidenciação da diferença na aplicação da não-incidência às duas hipóteses acima mencionadas, temos que o Ministro prolator do acórdão vencedor comparou a redação do aludido inciso I do § 2º do art. 156 com aquela constante do art. 9º, § 2º da Emenda Constitucional nº 18/1965, para concluir que não há, nesse parágrafo 2º da EC, a menção à situação de “transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”.

     Ao reproduzir o dito art. 9º, § 2º da EC 18/1965, que vigeu até a promulgação da atual Constituição Federal, realmente ficou evidenciado que o texto não contemplava a situação de transmissão de bens ou direitos decorrentes da fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, agora inserida no inciso I, do § 2º do art. 156 da CF/1988, a saber:

 “Art. 9º Compete aos Estados o impôsto sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza ou por cessão física, como definidos em lei, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia.

§ 2º O imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos neste artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja a venda ou a locação da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.”

     Buscando mais clareza da linha interpretativa, o senhor ministro Alexandre de Moraes reproduziu novamente o art. 156, § 2º, I da CF//88, comprovando que a ressalva contida no § 2º do art. 9º da EC 18/1965 (já revogada) referia-se à circunstância diferente daquelas atualmente vigentes.

     Em seguida o ministro concluiu que essa distinção entre os dispositivos da Emenda Constitucional nº 18/65 e a atual Constituição Federal tem levado certa parte da doutrina e da jurisprudência a defender a não incidência do ITBI sobre o valor dos bens incorporados que for excedente ao do capital subscrito, ao fundamento de que as únicas exceções à referida imunidade são aquelas expressamente definidas no final do inciso I, do § 2º do art. 156 da CF, propugnando que o intérprete não pode inovar criando outras hipoóteses excepcionais, como a limitação do valor dos imóveis ao capital social a ser integralizado.

     Mas a despeito do que acima mencionamos, defendido por parte da doutrina e da jurisprudência, o ministro proferiu o seu voto de forma divergente, fundamentando a sua decisão na assertiva de que as ressalvas previstas na segunda parte do inciso I, do § 2º do art. 156 da CF/88, aplicam-se unicamente à hipótese de incorporação de bens decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, previstas nos arts. 227, 229 ou 228 da Lei 6404/76, em que há incorporação dos imóveis de uma sociedade para outra, mas sem qualquer relação com a incorporação referida na primeira parte do citado inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF, a que alude a transferência de imóveis para integralização do capital.

Concluiu o ministro que:

“Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I - “ nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” - revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF.”

(...)  Assim, o argumento no sentido de que incide a imunidade em relação ao ITBI, sobre o valor dos bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital, excedente ao valor do capital subscrito, não encontra amparo no inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88, pois a ressalva sequer tem relação com a hipótese de integralização de capital.

Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito.

Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo - como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital.”

Nossas conclusões:

     Da análise do disposto no acórdão objeto do presente artigo, em especial dos fundamentos condutores das conclusões do voto proferido pelo ministro Alexandre de Moraes que abriu a divergência, soa com clareza meridiana a assertiva de que o seu posicionamento, seguido sem ressalvas pelos Ministros Dias Tóffoli, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso, representa um importantíssimo precedente, inaugurando uma nova posição do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as ressalvas contidas na parte final do inciso I do § 2º do art. 156 da CF/88 que por sua vez condicionam a fruição da imunidade às hipóteses em que a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, somente se aplicam em relação à transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, descritas na segunda parte do referido dispositivo constitucional.  No dizer do Ministro prolator do voto vencedor, “tais ressalvas, portanto, sequer têm relação com a hipótese de integralização de capital, sendo que a imunidade neste caso é incondicionada, desde que, por óbvio refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito.”  

     Daí a conclusão no sentido da aplicação da imunidade tributária referida sobre os valores dos imóveis incorporados à pessoa jurídica para integralização de capital, em sua constituição ou eventual alteração dos atos constitutivos, independentemente das atividades exercidas pela mesma,  ou seja, ainda que a empresa tenha por atividade preponderante a compra e venda desses bens e direitos, locação de imóveis ou arrendamento mercantil.

     Registre, por oportuno que até então o STF não havia se debruçado sobre a análise específica desta questão e a jurisprudência sempre veio prestigiando a tese de que a imunidade tributária assegurada na incorporação de imóveis para integralização de capital está condicionada a que a pessoa jurídica não tenha por preponderância a exploração de tais atividades.  Como consequência as municipalidades vêm exigindo ITBI nas hipóteses de incorporação de imóveis ao capital das empresas, quando as mesmas tenham por preponderância o desenvolvimento das atividades de compra e venda de imóveis, locação de imóveis e arrendamento mercantil.

     Acreditamos que em decorrência do julgado sob análise haverá um aumento de litigiosidade, seja por parte de pessoas jurídicas que desenvolvam preponderantemente as atividades acima mencionadas e pretendam incorporar imóveis para integralização de capital, em relação aos fatos futuros, seja por parte de pessoas jurídicas que na mesma condição tenham recolhido o ITBI nos cinco anos anteriores ao ajuizamento das ações, na busca da restituição dos mesmos.   

     Por tudo que foi dito, com base nestes importantes precedentes, resta evidente a possibilidade jurídica de novas discussões acerca da aplicação da imunidade do ITBI nas hipóteses de incorporação de imóveis para integralização de capital das pessoas jurídicas, quaisquer que sejam as atividades por elas desenvolvidas, com probabilidades de submissão do pedido de decisão pela inconstitucionalidade, sem redução de texto, do “caput” do art. 37 do CTN - que, ao referir-se à referida imunidade (art. 36, I), diz que a mesma “não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição - ou ainda para reconhecer que o referido dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por não ser com ela compatível, cabendo ao Supremo Tribunal Federal a última palavra sobre a questão.

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