Exclusão do PIS e COFINS de suas próprias bases de cálculo

EXCLUSÃO DO PIS E COFINS DE SUAS PRÓPRIAS BASES DE CÁLCULO

Janir Adir Moreira e Alessandra Camargos Moreira

Advogados tributaristas

              A decisão do STF pela exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS, com repercussão geral reconhecida (Tema 69), proferida no RE 574.706, acabou por motivar os contribuintes ao ajuizamento de ações visando a submissão das chamadas “teses filhotes” ao Poder Judiciário. 

              É interessante considerar que o STF, ao decidir pela exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS teve por fundamento, dentre outros, que o referido tributo pertence aos Estados, ou seja, apesar de compor o preço das mercadorias não se reverte em proveito da empresa.

              Alicerçados nessas premissas, os contribuintes passaram então a defender que a mesma tese haveria de ser aplicada a outros tributos, como por exemplo, ao ISS - que pertence aos Municípios -  e às próprias contribuições, uma vez que elas pertencem à União Federal e como tal não deveriam ser consideradas como parte da receita das empresas, tendo como consequência as suas respectivas exclusões das próprias bases de cálculo.

              A essência dessas teses é que dado à sua similaridade com o tema 69, também haveria de se excluir das bases de cálculo do PIS e COFINS, por exemplo, o ISS (Tema 118), o ICMS/ST, além de seus próprios valores (Tema 1067) e ainda a exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB (Tema 1048).

              No presente artigo procuramos evidenciar a evolução jurisprudencial acerca da tese jurídica concernente à exclusão das contribuições do PIS e COFINS de suas próprias bases de cálculo. Fizemos ainda apontamentos às principais decisões e evidenciamos posições doutrinárias e a nossa própria opinião jurídica sobre a questão.

              Ressalte-se, ainda, que a pretexto do reconhecimento da repercussão geral da questão ligada à exclusão do PIS e COFINS de suas próprias bases de cálculo (Tema 1067), o Supremo Tribunal Federal não determinou a suspensão da tramitação dos processos nos vários tribunais, sendo ainda de se ressaltar que o processo representativo da referida repercussão geral ainda não foi incluído na pauta de julgamento do STF.

            As decisões dos Tribunais Regionais Federais sobre esta questão se alinhavam à interpretação no sentido da inaplicabilidade da decisão proferida pelo STF no acórdão 574.706, consolidando assim o entendimento pela impossibilidade de exclusão dos valores de PIS e COFINS de suas próprias bases de cálculo.  Registre-se que o TRF3, em diversas oportunidades já havia julgado pela constitucionalidade da incidência do PIS e da COFINS sobre as suas próprias bases de cálculo, afastando a aplicação analógica do entendimento firmado pelo STF no RE nº 574.706, que definiu a Tese 69 da repercussão geral no sentido de que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS.  

              O entendimento do TRF3, até então, de forma semelhante aos demais TRFs, vinha julgando pela constitucionalidade da incidência do PIS e da COFINS sobre as suas próprias bases de cálculo, afastando a aplicação analógica do entendimento firmado pelo STF no acórdão 574.706, que definiu a Tese 69 da repercussão geral no sentido de que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS.   O entendimento do TRF3, até então, de forma semelhante aos demais TRFs, prestigiava a tese de que a discussão travada diz respeito à questão da incidência de “tributo sobre tributo”, consoante as decisões anteriores do STF no sentido de que o ICMS incide sobre ele próprio, constituindo-se o seu destaque em nota fiscal, mera indicação de valores.  Ressalte-se que a exemplo dos TRF4 e TRF5, o TRF1 continua julgando contrariamente aos interesses dos contribuintes à exemplo do acórdão a seguir:

“TRF1. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA

PROC: AMS 1002.1958220194013500

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL EXCLUSÃO DO PIS E DA COFINS DAS BASES DE CÁLCULO DE SUAS PRÓPRIAS CONTRIBUIÇÕES. IMPOSSIBILIDADE.

1. A exclusão do PIS e da COFINS das bases de cálculo de suas próprias contribuições não foi objeto da tese firmada no recurso repetitivo do STF nº 574.706/PR, ficando decidido apenas que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e COFINS.

2. Diante disto prevalece a constitucionalidade das Leis nº 10637/2002 e nº 10833/2003 que regulam a matéria.

3. Nesse sentido o REsp nº 1.825.675/RS, rel. Ministro Herman Benjamim, 2ª do STF em 22/10/2019.

Apelação da Impetrante desprovida. “

              Em nosso entendimento a questão da incidência do PIS e da COFINS sobre as suas próprias bases de cálculo, distancia-se daquela relacionada à incidência de tributos sobre tributos, uma vez que o cerne da discussão é que o conceito constitucional de receita bruta não permite a interpretação no sentido de nela ser incluído o valor do tributo, sendo imperiosa a necessidade de sua exclusão das bases de cálculo das referidas contribuições.

              A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, contudo, deu uma reviravolta na jurisprudência até então dominante e ao julgar a ação de Mandado de Segurança nº 5022842-67.2018.4.03.6100, sob a relatoria do Desembargador ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 19/12/2019, Intimação via sistema em 20/01/2020), determinou que os valores de PIS e COFINS não poderiam compor as suas próprias bases de cálculo, estando o acórdão assim ementado:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXCLUSÃO DO PIS E DA COFINS DA BASE DE CÁLCULO DAS PRÓPRIAS CONTRIBUIÇÕES. SENTENÇA QUE CONCEDEU A ORDEM. REMESSA OFICIAL E APELO DA UNIÃO DESPROVIDOS.

– Recurso Extraordinário n. 574706. Repercussão geral reconhecida. Os valores arrecadados a título de ICMS não são incorporados ao patrimônio do contribuinte e, dessa forma, não podem integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS, uma vez que a arrecadação daquele imposto constitui tão somente ingresso de caixa ou trânsito contábil a ser totalmente repassado ao fisco estadual e, assim, não representa faturamento ou receita. Destarte, razoável que se aplique o mesmo raciocínio ao presente caso, haja vista a identidade de fundamentos e especialmente porque tributos não devem realmente integrar a base de cálculo de outros tributos. Quanto a essa matéria, saliente-se que não afasta o presente entendimento o fato de o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 582461, ter concluído no sentido de ser constitucional a inclusão do valor do ICMS na sua própria base de cálculo, uma vez que, ao contrário do que acontece com as contribuições ao PIS e a COFINS, há autorização expressa no texto da Carta Magna de 1988.

– Ao se entender que o quantum pago a título de PIS e de COFINS (destacados em nota fiscal) integra o valor total da nota, em realidade admite-se que essas contribuições fazem parte do faturamento da pessoa jurídica, o que viola o princípio da capacidade contributiva, segundo o qual os particulares devem contribuir conforme a sua capacidade econômica e não de acordo com valores que sequer fazem parte de seu faturamento, considerado que serão repassados compulsoriamente ao fisco.

– Lei n. 12.973/14. Com relação à Lei n. 12.973/14, especificamente no que concerne às contribuições para o PIS e à COFINS, tal diploma normativo apenas manteve a expressão total das receitas auferidas (artigos 54 e 55 – para a sistemática da não cumulatividade), bem como especificou as receitas compreendidas na definição de receita bruta (artigo 2º, o qual alterou o artigo 12 do Decreto-Lei n. 1.598/77 – para a sistemática da cumulatividade). No entanto, apesar de a mencionada lei incluir o § 5º ao artigo 12 deste decreto-lei, entendo que o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do RE n. 574.706 encerrou tal discussão ao considerar expressamente neste julgado as alterações concernentes ao tema trazidas pela Lei 12.973/2014. Portanto, em respeito ao ordenamento jurídico brasileiro, se a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS foi declarada inconstitucional de forma legítima e pelo órgão competente para tanto, descabido o pleito da apelante no que toca a essa análise, conforme se comprova ao se analisar o inteiro teor do acórdão citado.

– Receita líquida. Receita bruta diminuída dos valores relativos a devoluções e vendas canceladas, descontos concedidos incondicionalmente, tributos sobre ela incidentes e valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações vinculadas à receita bruta. Em outras palavras, apenas no cálculo da receita líquida é que foi expressamente mencionada a hipótese de desconto de tributos sobre ela incidentes. Porém, o fato de a técnica legislativa ter-se valido da exclusão de tributos somente ao se referir à receita líquida (artigo 12, § 1º, do Decreto-Lei n. 1598/77) não significa automaticamente que esses devam ser incluídos na receita bruta (artigo 12, caput, do Decreto-Lei n. 1598/77), uma vez que, se assim fosse, estar-se-ia diante de um raciocínio interpretativo tão somente dedutivo, porém em relação a algo que somente por lei poderia ser estabelecido, qual seja, a especificação da base de cálculo de um tributo, nos termos do princípio da legalidade (artigo 150, inciso I, da CF/88) e do artigo 44 do CTN. Por fim, cumpre ressaltar que os valores de ICMS, nos moldes do que consta no artigo 13, §1º, da LC n. 87/96, permitem destaque na respectiva nota fiscal, no que se conclui jamais poderem integrar o preço da mercadoria ou da prestação do serviço para fins de cálculo da receita bruta do contribuinte.

– Entendimento do Supremo no julgamento do RE n. 582461. Quanto à questão, saliente-se que não afasta o presente entendimento o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE n. 582.461, ter concluído no sentido de ser constitucional a inclusão do valor do ICMS na sua própria base de cálculo, uma vez que, ao contrário do que acontece com as contribuições ao PIS e a COFINS, há autorização expressa no texto da Carta Magna de 1988 a esse respeito.

– Prazo prescricional na repetição de indébito de tributos sujeitos à homologação. A questão relativa à contagem de prazo prescricional dos tributos sujeitos a lançamento por homologação foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, à vista do Recurso Especial nº 1.269.570/MG, julgado recentemente, em 23.05.2012, e seguiu o entendimento que foi definido no Recurso Extraordinário nº 566.621/RS pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a repetição ou compensação de indébitos pode ser realizada em até dez anos contados do fato gerador somente para as ações ajuizadas até 09.06.2005. Por outro lado, foi considerada: “válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005”. O artigo 3º da Lei Complementar nº 118/2005 deve ser aplicado às ações ajuizadas a partir de 09/06/2005. No caso dos autos, verifica-se que o mandamus foi impetrado em 10.09.2018 (Id. 67395155). Aplicável, portanto, o prazo prescricional quinquenal.

– Necessidade de comprovação do recolhimento em sede de mandado de segurança para fins de compensação. No que tange à pessoa jurídica, a questão da comprovação para fins de compensação tributária no âmbito do mandado de segurança foi objeto de nova análise pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (no julgamento do Resp 1.365.095/SP e do Resp 1.715.256/SP, apreciados sob a sistemática dos recursos repetitivos), que concluiu que basta a demonstração da qualidade de contribuinte em relação ao tributo alegadamente pago de forma indevida. Dessa forma, os valores efetivamente a serem compensados somente serão apurados na seara administrativa, momento em que devem ser apresentados todos os documentos pertinentes ao recolhimento a maior. Em outras palavras, para o deferimento do pleito compensatório requerido judicialmente não se faz imprescindível a juntada das guias de pagamento, necessárias apenas no momento em que se for efetivar a compensação perante o fisco. Assim, considerado o período quinquenal a ser compensado, deverá ser deferida a compensação nesta sede pleiteada, porquanto comprovado o direito líquido e certo necessário para a concessão da ordem no presente remédio constitucional.

– Compensação de valores indevidamente recolhidos. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça exarado no Recurso Especial nº 1.137.738/SP, representativo da controvérsia, submetido ao regime de julgamento previsto pelo artigo 543-C do Código de Processo Civil, no tocante à compensação deve ser aplicada a lei vigente à época da propositura da demanda. In casu, deve ser aplicada a Lei nº 10.637/2002, com as limitações previstas na Lei nº 11.457/2007, ambas vigentes à época da propositura da demanda. Nesse ponto, cumpre registrar que a Lei n. 13.670/18 incluiu o artigo 26-A à Lei n. 11.457/07, a permitir que o sujeito passivo que apure crédito tributário possa utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, à exceção das contribuições das contribuições previdenciárias pelo contribuinte que não utilizar o eSocial (quanto a essa questão, já foi inclusive editada uma instrução normativa pela Receita Federal, qual seja, a IN 1.810/18). Seguem as disposições normativas mencionadas. Quanto ao artigo 170-A do Código Tributário Nacional, a matéria foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Recursos Especiais n.º 1.164.452/MG e n.º 1.167.039/DF representativos da controvérsia, que foram submetidos ao regime de julgamento previsto pelo artigo 543-C do Código de Processo Civil e regulamentado pela Resolução n.º 8/STJ de 07.08.2008, no qual fixou a orientação no sentido de que essa norma deve ser aplicada tão somente às demandas propostas após sua entrada em vigor, que se deu com a Lei Complementar n.º 104/2001, mesmo na hipótese de o tributo apresentar vício de constitucionalidade reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. A ação foi proposta em 2018, após a entrada em vigor da LC nº 104/2001, razão pela qual incide o disposto no artigo 170-A do Código Tributário Nacional.

– Correção monetária do indébito. Quanto à correção monetária, saliento que se trata de mecanismo de recomposição da desvalorização da moeda que visa a preservar o poder aquisitivo original. Dessa forma, ela é devida nas ações de repetição de indébito tributário e deve ser efetuada com base no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. No que se refere aos juros de mora, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no Recurso Especial n.º 1.111.175/SP, representativo da controvérsia, submetido ao regime de julgamento previsto pelo artigo 543-C do Código de Processo Civil, no sentido de que nas hipóteses em que a decisão ainda não transitou em julgado, como é o caso dos autos, incide apenas a taxa SELIC, que embute em seu cálculo juros e correção monetária (REsp 1.111.175/SP, Primeira Seção, rel. Min. Denise Arruda, j. 10.06.2009, DJe 01.07.2009).

– A matéria referente aos artigos 1º e 7º da LC nº 07/70, artigo 2º da Lei n. 9.715/98, artigos 1º e 2º da LC nº 70/91, artigos 2º e 3º da Lei nº 9.718/98, artigos 1º  das Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03, artigo 208 do RIR/2018, artigos 109, 111 e 176 do CTN, artigos 3º, inciso I, 150, inciso I, e § 6º , 194 e 195 da CF/88 e artigo 187 da Lei nº 6.404/76, citados pela fazenda em seu recurso, não tem o condão de alterar o presente entendimento pelas razões explicitadas anteriormente.

– Negado provimento à remessa oficial, bem como igualmente ao apelo da União. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApReeNec – APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO – 5022842-67.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 19/12/2019, Intimação via sistema DATA: 20/01/2020).”

              Destacamos que segundo o voto do relator, o principal argumento dos vários julgados contrários à tese dos contribuintes é que o STF ao julgar o RE 582.461 decidiu pela constitucionalidade da inclusão do valor do ICMS sobre a sua própria base de cálculo, entretanto, o mesmo sustentou que o referido precedente não seria aplicável a esse caso, uma vez que na hipótese específica do ICMS, a própria Constituição Federal de 1988 traz disposição expressa no sentido da atribuição de sua regulação por Lei Complementar e a LC 87/1996 dispõe em seu art. 13, § 1º, I:

“Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:

I - O montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle. ”

              O diferencial a ser considerado na interpretação da legislação é que em relação às contribuições para o PIS e COFINS não há disposição semelhante na Constituição Federal e nem tampouco em Lei Complementar.   Segundo o relator a exigência provoca o desvirtuamento do conceito de “faturamento” e “receita bruta” constantes dos arts. 195 e 239 da CF/88, bases de cálculo do PIS e da COFINS e, consequentemente, o indevido alargamento da base tributável sem qualquer amparo na Carta Magna.

              relator evidenciou ainda que a exigência viola o princípio da capacidade contributiva, pois ao se tributar o PIS/COFINS acrescido sobre o valor da receita bruta, está se alargando a base tributável prevista pelo Texto Constitucional. Tratou também da interpretação ao disposto na lei nº 12.973/14, sustentando que especificamente em relação às contribuições para o PIS/COFINS, a referida lei apenas manteve a expressão “total das receitas auferidas para a sistemática de não cumulatividade, bem como especificou as receitas compreendidas na definição de receita bruta para a sistemática de não cumulatividade, mas  acabou por entender que o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do RE nº 574.706 encerrou tal discussão ao considerar expressamente neste julgado as alterações concernentes ao tema trazidas pela Lei 12.973/2014. Concluiu que, se a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS foi declarada inconstitucional de forma legítima e pelo órgão competente para tanto, também as referidas contribuições não poderão compor as suas próprias bases de cálculo.

            A capacidade contributiva é um princípio constitucional voltado à aferição do  impacto da carga tributária aliado à mensuração da possibilidade econômica do contribuinte se sujeitar à imposição tributária. Tendo sido um dos parâmetros observados pelo relator na decisão objeto da presente análise, apontamos também a posição da doutrina acerca do tema.  O Prof. Paulo de Barros Carvalho leciona[i]:

“A capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo. Mensurar a possibilidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributos é o grande desafio de quantos lidam com esse delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos e o modo como é avaliado o grau de refinamento dos vários sistemas de direito tributário. Muitos se queixam, entre nós, do avanço desmedido no patrimônio dos contribuintes, por parte daqueles que legislam, sem que haja atinência aos signos presuntivos de riqueza sobre os quais se projeta a iniciativa das autoridades tributantes, o que compromete os esquemas de justiça, de certeza e de segurança, predicados indispensáveis a qualquer ordenamento que se pretenda racional nas sociedades pós-modernas.”

              O Prof. Sacha Calmon, com a clareza e objetividade que lhe são peculiares, avalia a atuação dos Poderes do Estado acerca da aplicação do Princípio da Capacidade Contributiva[ii]:

“Disse, com erronia, Giannini, que o princípio da capacidade contributiva era ‘uma exigência ideal, cuja realização, como em qualquer outro campo da vida social, fica atribuída à prudente apreciação do legislador’. Absolutamente não. O legislador não tem que ser prudente; deve ser obediente à Constituição. E, na hipótese de não “ser prudente” em sua apreciação dos fatos e da norma constitucional, cabe ao Judiciário corrigi-lo. A ‘prudente apreciação’, no caso, passa a ser a do juiz. Por isso mesmo, razão assiste aos juristas que não admitem ficarem os princípios constitucionais a depender do ‘prudente alvedrio dos legisladores’. No que tange ao princípio da capacidade contributiva, motor operacional do princípio da igualdade, seria verdadeiro escárnio entregá-la, a sua realização prática, ao ‘arbítrio dos legisladores’. É dizer, a capacidade contributiva apresenta duas almas éticas que estão no cerne do Estado de Direito: A) em primeiro lugar, afirma a supremacia do ser humano e de suas organizações em face do poder de tributar do Estado; B) em segundo lugar, obriga os Poderes do Estado, mormente o Legislativo e o Judiciário, sob a égide da Constituição, a realizarem o valor justiça através da realização do valor igualdade, que no campo tributário só pode efetivar-se pela prática do princípio da capacidade contributiva e de suas técnicas.

Por isso mesmo as reflexões mais profundas e modernas a propósito do princípio apresentam-se limpas da ganga positivista e do ‘fetiche legalista’. É ver Sainz de Bujanda dizendo que os fatos geradores só se justificam, constitucionalmente falando, se comprometidos com o valor justiça, objeto do Estado de Direito, se forem indicativos de capacidade econômica”.

              A doutrina e a jurisprudência afirmam que embora a Constituição Federal refira-se ao princípio da capacidade contributiva apenas para os impostos, nada obsta sua aplicação a outras espécies tributárias, à exemplo da Súmula Vinculante nº 29 do STF, cujo verbete é o seguinte:

É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra. Exemplificando, pode o ente tributante repartir os custos da atividade estatal de coleta de lixo com base em rateio proporcional à área de cada imóvel beneficiado”.  (RE nº 232.393/SP, Rel. Min. Carlos Veloso, DJ 05.04.2002, p. 55).

                        É do magistério de Sacha Calmon[iii]:

“nas taxas e contribuições de melhoria, o princípio realiza-se negativamente pela incapacidade contributiva, fato que tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade econômica real. (COÊLHO, 2018, p. 60).

              Não se pode perder de vistas que o STF já se debruçou sobre questão jurídica semelhante, quando, no RE nº 559.937/RS (Repercussão Geral – Tema 001), julgou pela inconstitucionalidade da inclusão do “PIS/COFINS - Importação” sobre as próprias bases de cálculo prevista na Lei nº 10.865/2004, por estar em rota de colisão frontal com a Constituição Federal de 1988.

            Na esteira desse novo entendimento o TRF2, através da 3ª Turma Especializada, ao julgar os processos nº Autos nº 5000953-83.2019.4.02.5119 e 5015731-61.2019.4.02.5118), por maioria, também alterou a sua jurisprudência e julgou pela inconstitucionalidade da inclusão do PIS e da COFINS de suas próprias bases de cálculo, uma vez que impostos e contribuições não integram o patrimônio do contribuinte, em nada se distanciando do entendimento do STF ao julgar o RE nº 574.706 (Tema 69) e o RE nº 559.937/RS (Tema 001).  Em 23/09/2020, através de seu órgão colegiado, a 1ª Turma do TRF da 3ª Região, também por unanimidade, decidiu pela concessão de Liminar em Agravo de Instrumento manejado no processo nº 5003556-02.2020.4.03.0000, assegurando à Impetrante o direito à exclusão do PIS e da COFINS de suas próprias bases de cálculo.

              Não é demais reconhecer que o novo entendimento jurisprudencial inaugurado com a decisão da 4ª Turma TRF3 em dezembro de 2019 e reafirmado em setembro e outubro de 2020 pela 3ª Turma do TRF2 e 1ª Turma doTRF3 representam uma evolução nos posicionamentos até então assumidos e que podem influenciar os julgamentos futuros dos demais TRFs (até agora contrários à tese dos contribuintes), com possibilidades jurídicas de julgamento do STF pelo afastamento da incidência do PIS e da COFINS sobre as suas próprias bases de cálculo, uma vez que a repercussão geral do tema já foi reconhecido.

              As decisões mencionadas afastam a incidência das contribuições do PIS e da COFINS sobre as suas próprias bases de cálculo em relação aos fatos geradores futuros e asseguram aos impetrantes a compensação do que foi recolhido sobre tais parcelas nos cinco anos que antecederam aos respectivos ajuizamentos das ações, sendo que as compensações serão processadas após os respectivos trânsitos em julgado.   

         Deve-se observar que a tendência jurisprudencial inaugurada pelas decisões mencionadas se justifica também pela constatação de que a tese jurídica concernente à exclusão das contribuições do PIS/COFINS de suas próprias bases, se assemelha ao tema 69 julgado pelo STF relativamente ao ICMS, eis que a essência do referido julgamento foi no sentido de que o imposto não ostenta característica direta de riqueza dos contribuintes, uma vez que os mesmos se submetem à tributação em razão de suas próprias atividades, sendo irrelevantes os elementos que lhe são estranhos. 

              Pode-se concluir com facilidade que se não restam dúvidas quanto à formação das bases de cálculo para o PIS/COFINS, porque recaem sobre a receita bruta, cujo conteúdo semântico foi delineado pela tese fixada pelo STF, também é possível concluir que por igual fundamento aplicado ao ICMS, ante à identidade quanto às premissas mencionadas, não poderiam também as referidas contribuições comporem as suas próprias bases de cálculo.  Da mesma forma que o ICMS apenas transita pela contabilidade do contribuinte, porque a sua destinação final é direcionada aos Estados, também as contribuições do PIS/COFINS têm a União Federal como destinatária final dos valores arrecadados.

              Os princípios tributários dão sentido a uma tributação justa e racional, confirmando os fundamentos de que somente deve haver tributação daquilo que efetivamente reflete os signos de riqueza do contribuinte.

              Note-se que no julgamento objeto desses apontamentos, o princípio da capacidade contributiva obteve destaque no voto do Desembargador ANDRE NABARRETE NETO, favorável ao contribuinte, alicerçado no julgamento do RE-574.706 pelo STF onde sobressaiu dos votos vencedores, a assertiva de que a União Federal se apropria indevidamente de valores que não expressam disponibilidade econômica, uma vez que são repassados aos Estados, não configurando receita das empresas. 

              Em nenhuma das hipóteses os referidos tributos representam uma riqueza nova ao contribuinte.

 

[i] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 100

[ii] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 58.

[iii] COÊLHO (Op.Cit. 2018) p. 60)

© 2021 Janir Adir Moreira e Advogados Associados. All Rights Reserved | Design by Janir